A PEC da fome contra um projeto político efetivo

Imagem: Retirantes (1944) - Candido Portinari
Imagem: Retirantes (1944) - Candido Portinari

A Proposta de Emenda à Constituição dos Auxílios, a PEC dos Auxílios ou a PEC Kamikaze é uma das cartadas do atual governo em busca da reeleição, e para além dela, creio, haverá surpresas impactantes até os resultados das eleições desse ano de 2022.

Não é novidade que a inflação no Brasil está acima dos 10% desde o ano passado, e as constantes notícias sobre a inflação no bolso do consumidor de baixa renda revelam uma disparidade muito maior do que os números institucionalizados. As pessoas comuns, aquelas que não são estudiosas da economia ou profissionais especializados, pouco entendem sobre economia estatal e as armadilhas cambiais que levam o país a estabelecer teto de gastos e a instituir leis fiscais para o controle do teto.

Pergunto: há estudos acerca desse ajustamento econômico sobrepujado para cima, para quando houver baixa inflacionária, no futuro? Há projeção de baixas? Há estudos?

O discurso em defesa do estado mínimo não faz mais coro entre os liberais da direita fundamentalista porque agora é tudo ou nada na disputa pela reeleição, e os eleitores favoráveis reconhecem todo o desgaste do governo vigente.

Há aí um estelionato eleitoral travestido de legalidade jurídica; a desculpa emergencial diante da crise pela qual atravessamos. Todavia, essa crise brasileira não é apenas econômica, mas também política e ideológica, e ela vem ocorrendo desde a implantação das pautas bombas implementadas pelo congresso durante o governo Dilma Rousseff; reforçada durante a governança do ex-presidente Michel Temer; e agravada no governo de Jair Messias Bolsonaro, com grande ingerência no combate à COVID-19, na política sanitária, econômica e educacional.

O desmonte no Brasil se trata de um projeto político. Economicamente, vem desde a Primeira República a fixação pelas atividades agrícolas. Fixação esta impulsionada pelo fascínio da exportação de commodities, quando se produz e extrai produtos agrícolas, agropecuários e minerais, e os ofertam em estado bruto ou pouco manuseado ao comércio exterior, sendo o último o responsável por determinar seus valores de acordo com a oferta internacional.

Serei crucificado, mas não posso deixar de evidenciar que, tanto à direita, alinhada ao discurso liberal fundamentalista, quanto aqueles que se reconhecem à esquerda “petista” - não identifico no PT (Partido dos Trabalhadores) um partido genuinamente de esquerda - , e qualquer outra possibilidade de oposição, tal como os ciristas (PDT), votaram no Senado favoráveis ao Pacote Kamikaze do governo Jair Bolsonaro, com exceção do execrado senador, José Serra (PSDB).

Essa adesão explicita o cenário de incerteza política de um país acostumado às políticas assistencialistas, populistas e mitológica - criou-se no imaginário da população brasileira a necessidade de um herói salvador, esse o responsável a resolver, ainda que de modo paliativo, questões estruturais das deficiências brasileiras, entre tantas, a educação e o combate às desigualdades socioeconômicas.

Os grupos políticos, cujo discurso busca uma adesão à esquerda não se opuseram ao pacote bomba do bolsonarismo porque temem o uso político e midiático de uma negativa ao auxílio voltado para o combate da crise pública. Em momento de instabilidade qualquer atitude destoante pode ser capitalizada e gerar desgaste na disputa eleitoral.

Tanto um quanto o outro querem o voto. E esse voto ainda não está garantido, e, mais uma vez, na história do Brasil, o seu voto está sendo comprado. Em países de economia emergente os cenários de disputa almejam a manutenção do poder, ainda que seja necessário sacrificar projetos de estruturação de longo prazo, ações políticas invisíveis a olho nu. Testemunhamos ao longo do processo histórico nacional medidas paliativas que se desmancham facilmente, seja em decorrência de crises na economia interna ou externa ou epidemias, seja pela razão das chuvas.

A força empenhada na política nacional ao longo dos seus 132 anos de República ainda não foi capaz de impedir o constante retorno à miséria que resulta na fome. A fome ainda é a arma utilizada como poder de barganha pelos políticos. Como disputaremos contra ela?

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