Poema

Caraecoroa

Visível,
um homem
a caminho da praça:
Mostra o pássaro
que se liquefaz
em canto
no poleiro
da gaiola

Invisível,
um homem
a caminho do eito:
Expõe na pele
o que se concretiza
no limite do meio-fio
e do asfalto
preto.


Túlio Henrique Pereira
Porto Alegre, Janeiro, verão de 2014.



Ar[QUÉ]tipo

Ele é quem sabe de si
Ele é quem gosta do outro
Ele quem cace a palavra

De si somente o eu
Dele quem nunca viu
De dentro para fora

                           AR-DEU

Mas eis que a ronda
Mas eis que há língua
Mas eis saliva NOS ISMOS

TODOS OS DIAS
TODOS OS TEMPOS
TODAS AS HORAS

Ele é quem sabe de si
Ele é quem culpa os outros
Ele é quem mata a palavra

Do sim somente eu
Dele a imagem do gosto
De fora para dentro

                        AR-MEU


PEREIRA, Túlio Henrique. “Ar[qué]tipo”. In: Ovo da Ema. Revista de Poesia, Org. de Eliane Marques e Lúcia Bins Ely. Arte de Capa de Paulo Frydman. 1. Ed. Escola de Poesia – Aprés Coup Porto Alegre Psicanálise e Poesia, 2013. p. 17.



Imagem semelhança? 

(pais e filhos)

Quando criança
Na ciranda de roda
Mamãe ralhava comigo
- Boneca não é brinquedo de homem!

Papai em seus ombros largos
Braços longos
Dedos fortes
Coxas grossas
Ventre cedido
Barriga disposta
Cabeça ereta e altivo
Nada se parecia comigo
Sequer aquela mulher furtiva

- Menino olhe para frente
Joãzinho não mostre o umbigo
Porte-se direito
Não curve as costas
Não mostre o dedo
Saliente o peito
Diminua o riso
Não perca a hora
Desfaça o joelho
Engrosse a fala
Ande com calma
Modos de mocinho

Automatizo meus atos
Inclinado a não querer
Decidindo o já disposto
Proeminente a contendas
Disritmizo o meu gozo
Automatismo dos hábitos:
- Não soo avant-garde por querer!


PEREIRA, Túlio Henrique. Imagem semelhança? (pais e filhos), in. GOMES, Ana Maria; FERNANDES, Júlio A. B. (org.) Antologia Amante das Leituras. Coimbra: Temas Originais, 2010.




O Ponto

Chove por dentro,
como se nunca estivesse molhado:
os pingos se escondem.

A densidade eleva-se.
Flutuo perdido por entre a lama
esvaziando-se os olhos

Entre mim e eles
o apego escasso de um abraço.
cheira todo o dia à luz...

Cansaço domingueiro...
regaço de preguiça estirada...
ela queria o terço, mas ele não deu.

Por que ele chove?
se ela nunca percebeu que gostasse!
e ele sabia traí-la sem distinção

plástico
beijo
sexo
.


Túlio Henrique Pereira
Uberlândia, MG, Primavera de 2012.





Out

É feio ser gordo
Nada feio falar
Ela se atirou

Embora gravitasse
Embora lesse
Embora dúbia

É feio ser gordo
Nada feio falar
Ela se atirou

Ainda que indelével
Ainda que amante
Ainda que amiga

É feio ser gordo
Nada feio falar
Ela se atirou

Do instante obtuso
Do 12º andar
Dos crânios conscientes


PEREIRA, Túlio Henrique. Out, in. BACCA, Ademir Antônio; GONÇALVES, Cláudia (org.). Poesia do Brasil. Coleção do Congresso Brasileiro de Poesia, v. 13. Bento Gonçalves: Proyecto Cultural sur Brasil, 2011.




Duelo  

(Segunda Parte)


Alice,
Alguém vai devorar você e sua negritude
A inteligência em seu âmago e a alegria
E até beijá-la entre quatro paredes vazias

Mas não irá convidá-la pro baile
Nem te tirar para dançar
E, a menos, que você pague
Não se apaixonará por você

Como se encerram os contos de fada.


PEREIRA, Túlio Henrique. Duelo, in. BACCA, Ademir Antônio; GONÇALVES, Cláudia (org.). Poesia do Brasil. Coleção do Congresso Brasileiro de Poesia, v. 13. Bento Gonçalves: Proyecto Cultural sur Brasil, 2011.



Aparências

O touro não cruza,
Ele cobre.
As mulheres...?
Essas se descobrem felinas.

Já o homem não cobre,
Mas também não cruza;
Ele come.

Apenas o veadinho da esquina,
Sonha acordado:
Amar...


PEREIRA, Túlio Henrique. Aparências, in. BACCA, Ademir Antônio; GONÇALVES, Cláudia (org.). Poesia do Brasil. Coleção do Congresso Brasileiro de Poesia, v. 13. Bento Gonçalves: Proyecto Cultural sur Brasil, 2011.


Esmero

Dezessete horas
Olhares curvos, mãos desgarradas
Do alto o versejo
Dardos atravessados em espiral
Sol noctívago
Esperança vil
Dialética

Ela havia de partir
Ele havia de partir
Partiram


PEREIRA, Túlio Henrique. Esmero, in. BACCA, Ademir Antônio; GONÇALVES, Cláudia (org.). Poesia do Brasil. Coleção do Congresso Brasileiro de Poesia, v. 13. Bento Gonçalves: Proyecto Cultural sur Brasil, 2011.


Senis

Caí no poço
Onde a água bateu no pescoço
E nada se tira disso
Nem um abraço amigo
Ou lábio rugoso

Caí no poço
E quem prometeu me tirar
Partiu tão cedo
Que a promessa fez-se lar
Mobiliado às lembranças


PEREIRA, Túlio Henrique. Senis, in. BACCA, Ademir Antônio; GONÇALVES, Cláudia (org.). Poesia do Brasil. Coleção do Congresso Brasileiro de Poesia, v. 13. Bento Gonçalves: Proyecto Cultural sur Brasil, 2011.


Corsário

Toma o cálice à sua boca
o pão do vão alento
Vicia-te!
Como a corrente que te molda
as paralelas nas quais segue

O riso introvertido no choro
devora-te vivo enquanto carne
Alimenta-te!
possuído à certa finitude
Em qual desejo teu me cabe?


PEREIRA, Túlio Henrique. Corsário, in BACCA, Ademir Antônio; GONÇALVES, Cláudia (org.). Poesia do Brasil. Coleção do Congresso Brasileiro de Poesia, v. 11. Bento Gonçalves: Proyecto Cultural sur Brasil, 2010.



Epígrafe

A interjeição de ser o eu
Machuca no outro o âmago
E viravoltas esmiuçadas
Rindo o riso dilacerado
E torna ser o outro nele
E eu fugaz como agora
Interditado o sujeito
Que não sou, e que não é
Nem dele, tão somente seu


PEREIRA, Túlio Henrique. Epígrafe, in BACCA, Ademir Antônio; GONÇALVES, Cláudia (org.). Poesia do Brasil. Coleção do Congresso Brasileiro de Poesia, v. 11. Bento Gonçalves: Proyecto Cultural sur Brasil, 2010.



Friendly gossip or single days for fun

Eu era menino e vovó dizia:
- Diga-me com quem tu andas
E eu direi quem tu és!

Porque eu andava com Ana
E me encontrava com Pedro
E caminhava com Bárbara

E o que vovó não sabia
É que Ana tinha Deus consigo
Pedro por Ele se irradiava
E Bárbara, elevada cristã

Ele estava nas ruas
No corpo bélico daquelas meninas
Dos dedos ao orifício sujo do rapaz

Eu era menino e vovó não sabia
que Deus era figura fácil
amigo dos becos e das surdinas
e se prostituía fraterno diariamente.


PEREIRA, Túlio Henrique. Friendly gossip or single days for fun, in BACCA, Ademir Antônio; GONÇALVES, Cláudia (org.). Poesia do Brasil. Coleção do Congresso Brasileiro de Poesia, v. 11. Bento Gonçalves: Proyecto Cultural sur Brasil, 2010.



Se você me amasse

Mas se você soubesse
E se você quisesse
E se você me amasse
E se você trouxesse
O afetuoso afago
Destes abraços
Abrir-se-iam felizes
Só para você

Mas só você não sabe
E não quer
E não ama
E nada traz
E o fim se faz amargo
Nestes braços solitários
Que à escuridão
Infinda retrai


PEREIRA, Túlio Henrique. Se você me amasse, in. BACCA, Ademir Antônio; GONÇALVES, Cláudia (org.). Poesia do Brasil. Coleção do Congresso Brasileiro de Poesia, v. 11. Bento Gonçalves: Proyecto Cultural sur Brasil, 2010.




Pathos

(O culto sibilar ao infante)


Ele existiu
no inconsciente da razão
que Ele
não tinha

Por uma ação
sensível
relações delicadas
entre o sim e o não:
o fato e o espaço

Ele teve o corpo habitado
pela síntese
o dissabor
que consentia Dele

E do emaranhado
feito de seus braços
consumiram a vida
por alguns instantes

Mas quando e onde
Ele e Ele
sob o invólucro dos dias
existiram em razão
senão sensível

E por uma nação
pacífica
relações imbricadas
entre o bem e o mal
o inferno e o céu:
à síntese

E o fim se fez
E o adeus foi dito
E um coração partiu-se



PEREIRA, Túlio Henrique. Pathos (o culto sibilar ao infante), in. BACCA, Ademir Antônio; GONÇALVES, Cláudia (org.). Poesia do Brasil. Coleção do Congresso Brasileiro de Poesia, v. 11. Bento Gonçalves: Proyecto Cultural sur Brasil, 2010.