“Toda petição é um poema, todo poema é uma petição”
The Dreamers ou em português “Os Sonhadores” é uma produção cinematográfica ítalo-franco-britânica, dirigida pelo cineasta italiano Bernardo Bertolucci, em 2003, baseado no romance The Holy Innocents do escritor Gilbert Adair, também responsável pelo roteiro do filme. “Os Sonhadores” traz ao cinema mundial a contextualização utópica do “eu”, contrapondo-o ao “outro” e à “nós” em um jogo de espelhos multifocais, reluzindo chamas à década conhecida como o re-surgimento dos sentindos e das ideologias.
A trama começa no momento em que Henri Langlois é demitido da direção da Cinemateca francesa pelo escritor André Malraux, ministro da Cultura do presidente Charles De Gaulle. A demissão deixa revoltados estudantes e os maiores cineastas de todo mundo. Gente como Godard, Truffaut, Kurosawa, Fellini e até o brasileiro Glauber Rocha protesta contra a demissão. Uma manifestação em frente à Cinemateca é dispersa com bombas enquanto a polícia tenta conter os estudantes, cineastas e escritores.
O filme parte do amor que o diretor tem pelo grande cinema, transpondo-o para a atmosfera da época, onde são criados três personagens que se conhecem e passam a dividir a mesma paixão. O descarrilar dos fatos são pontuados entre os meses de fevereiro e maio de 1968, em Paris, no cerne da revolução que colocou estudantes frente a frente com a polícia e entrou para a história mundial.
Utilizando este cenário Bertolucci dá vida aos sujeitos “comuns”, pessoas do dia-a-dia, produzindo uma história do cotidiano em detrimento da história monumental, que costuma dar visibilidade somente às celebridades históricas. Bertolucci apresenta, então, Matthew (Michael Pitt), estudante norte-americano em intercâmbio em Paris, que conhece a francesa Isabelle (Eva Green), irmã gêmea de Theo (Louis Garrel). Em pouco tempo de convívio eles se tornam um trio encorajado pela insurreição vinda de seus próprios interiores a serem deglutidos pelo outro, ora norteador e outras vezes hermético.
Excêntrico em sua arte de fazer cinema Bertolucci choca os conservadores europeus e tem sua estréia em solo americano censurada mesmo no século XXI. O ano de 1968 corresponde a vários fenômenos históricos, tais como as invasões estadunidense no Vietnã e da União Soviética na Tchecoslováquia. Mas, quando o diretor tenta representar, sobre sua ótica, os acontecimentos que marcaram o Maio de 1968, ele brinca com o mais precioso bem humano: a hipocrisia, despindo-se dos pudores, indígnos do momento histórico, frente às lentes imberbes da linha de produção cinematográfica contemporânea.
Bertolucci traz à luz no interior de seu filme 15 grandes produções cinematográficas das antigas para clarear as mentes jovens e ao mesmo tempo costurar a sua colcha de retalhos pós-moderna na qual a assepsia confunde-se com a guerra e a moda agride o corpo sem subterfúgios, desencorajamento ou medo. A frase “Toda petição é um poema, todo poema é uma petição” propõe a atmosfera em que jovens, adultos, intelectuais, escritores e cineastas versejavam em busca de uma realidade ideal ao mesmo tempo mista e plural, contrapondo-se a utopia rasa do objetivo de ter dentro daquilo que não é; tornando-se toda petição uma folha de cheque, e toda folha de cheque uma petição.
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