Show de lançamento do CD Eu Não Gosto do Meu Nome



Divulgação Show Eu Não gosto do Meu Nome


A segunda quinzena do mês de março em Itumbiara recebeu o lançamento do CD Eu não gosto do meu nome do intérprete e compositor goiano Túlio Toledo, meu xará. O lançamento do disco aconteceu no auditório principal do Iles/Ulbra, na cidade de Itumbiara, Goiás, cidade onde Túlio Toledo nasceu e cresceu, tanto como pessoa como intérprete, compositor e instrumentista.

Eu não gosto do meu nome é o segundo trabalho autoral de Túlio Toledo, e é a sucessão do Dilúvio, seu primeiro álbum editado em 2003. Há elementos contundentes que aproximam e distanciam esses dois trabalhos, suas capacidades enquanto letrista, instrumentista e vocalista podem ser tomadas como a concatenação de valores que distanciam o Túlio Toledo de 2003 do Toledo de 2015. E esses são valores positivos, pois há confiança na rima, na métrica, na respiração e no conforto em que a voz aveludada se apresenta sobreposta em camadas que podem levá-la a inúmeras subclassificações.

Túlio Toledo ao interpretar Do lado de dentro

O show foi aberto com a gravação original Dilúvio que soou como um sinal de alerta para que o público pudesse se ater ao que estava por vir. No palco estavam postos os músicos France Santos, Nathan Moises Araujo, Alex Melo, Wesley Carvalho, Gabriel de Paulo Campos e André Luiz da Silva, seis talentos a dividirem instrumentos de corda, voz e percussão. Foram eles, em muitos momentos, os protagonistas daquilo que Túlio Toledo parecia propor aos seus espectadores: o apreço pela música popular.

O cenário, embora parecesse indicar um desejo minimalista, ofereceu uma dramaticidade gore ao deixarem visíveis ante um emoldurado de luzes na frente das cortinas vermelhas do próprio auditório, os instrumentos a serem manuseados: o violão, a guitarra, a bateria, o baixo elétrico, a percussão, o piano e a escaleta, todos eles apoiados por suportes de madeira a evidenciar sua importância. O cenário luminoso e de cores avultadas como o vermelho e a penumbra também reforçaram a ideia clássica dos primeiros circos modernos. Talvez fossem referências demais para um público tão pouco habituado aos conceitos.

E foi exatamente uma parcela do público presente, uma das principais baixas do lançamento de Eu não gosto do meu nome. Conversas paralelas, o uso de celulares e câmeras com flashes na captação do espetáculo, o levanta e senta a trocar de lugares provocavam um incômodo em quem gostaria de alcançar o que estava sendo proposto: a apreciação. Grande parte da plateia estava ocupada no registro, de algum modo queriam dizer que estiveram ali, e talvez tenham perdido a oportunidade de estarem.

Meus velhos hábitos foi a primeira música executada ao vivo, e a voz do Túlio Toledo estava abafada, e não acredito que a razão tenha sido a rouquidão em consequência de uma gripe, o que foi alegado por ele. Como espectador atento aos detalhes, acredito seriamente que o problema tenha sido a utilização de um microfone dinâmico cartilóide shure vintage. A proposta estética acabou suprimindo a audição qualitativa das notas, da letra e das pausas. A evidência disso ficou muito nítida quando Toledo fez a mudança de microfones em algumas passagens. A dificuldade de audição se fez ainda mais acentuada quando da entrada dos instrumentos que impediam qualquer possibilidade de protagonismo da voz do intérprete a lançar seu disco novo.

Eu não gosto do meu nome, Novo conceito, Um tal de Johnn e Jack foram, para mim, a alma do show de Túlio Toledo. Ambas, interpretação ao vivo e gravações, são um esmero que merecem atenção de qualquer editora de discos respeitáveis. Na primeira música o Toledo deixa escapar suas questões subjetivas atravessadas pelo desejo da permanência e da mudança, quando ele nos fala que: Se preciso for eu fico/[...] Se preciso for eu mudo/Faço as malas num segundo/[...] Mas eu não gosto mesmo é do meu nome/[...] Se pra ser feliz preciso/[...] Sim aceito o meu destino/ Digo sim pra ver você mudar minha vida. Nesta letra, embora exista a sugestão de um mote simples de amor, é possível captar a conturbada relação de amor e ódio do Túlio com a sua cidade, e todas as referências claustrofóbicas e inibidores presentes no ethos itumbiarense: o casamento no mundo das convenções que propõe a passagem para a maturidade; e o seu segundo nome, que pertence a uma família renomada na cidadezinha.

Para sobreviver em Itumbiara é necessário que se assimile aos códigos e códices da política das boas famílias e dos representantes de partidos direitistas. Aqui há toda a gama de associações e sociedades responsáveis pela manutenção da ordem e da boa moral. Ainda que saibamos que depois das reuniões institucionais o limite do quarto é a parede do umbigo de cada bom gestor, o importante por aqui é que, ainda se mantenha a aparência. E Túlio Toledo é tudo, menos aparências.

Na faixa Novo conceito ele continua dando esses elementos da sua subversão, mas com um lirismo e uma sofisticação tamanhas, que nos nocauteia. Nessa mesma baladinha rock ele nos fala que: Da sacada dá pra ver/ Que lá embaixo ninguém nota/ Medo escorre sem querer/[...] A claridade incomoda/[...] Nos esbarramos sem querer/ O sol já não esquenta mais/ E a noite não foi feita pra dormir/ Qualquer escolha banal entre Deus e o Diabo/ Eu prefiro um novo conceito. Nessa letra Túlio endossa minhas interpretações sobre a sua insatisfação com o cotidiano bucólico da pacata Itumbiara, onde aos domingos a classe média estaciona seus automóveis por sobre o pavimento da Praça da República, onde está localizada a Igreja da Matriz. Todos vão reforçar seus laços com o divino, mas seus carros não podem ficar distantes dos portais para que sejam avistados na saída da missa, e para que também não se desgaste a sola dos sapatos comprados em São Paulo.

Deus e o Diabo parecem ser conceitos que não interessam ao Túlio. E o resto da vida parece passar despercebida aos olhos daqueles que vivem aqui, pois "ninguém nota”. E sair à noite é se colocar desnudo pela claridade solar. É se revelar. Só lhe resta à noite como refúgio. E Túlio Toledo é noite.

Solo de piano ao interpretar Halo

Um tal de Johnn é o que considero outra baladinha rockpop, e nessa há a representação dos limites estereotipados da conduta de um jovem boêmio que poderia ser facilmente paulistano, paulista, uberlandense, goianiense ou itumbiarense; o retrato da prole de uma sociedade pequeno-burguesa que deseja se ocupar da porralouquice, mas que se esbarra nas questões financeiras a limitar os padrões de consumo de uma classe média decadente. Ao contrário das capitais, em Itumbiara, o saber não entra como um elemento de irrupção, o saber não é estimulado. O que importa mesmo é decorar informações para o vestibular de medicina numa universidade privada, e depois ocupar a clínica que será herdada do papai ou da mamãe.

A última letra Jack é do CD Dilúvio, e me tomou como uma referência indiepop com o mesmo mote da música anterior.

Tivemos momentos bastante populares no lançamento do disco. Uma tentativa de reprodução do grupo de cover Boyce Avenue que mexeu com a plateia juvenil acostumada com os singles mais populares da Pitty, Wanessa da Mata, Sandy Leah e outros. Neste momento a participação do grupo vocálico Entre nós proporcionou uma variedade de vozes, e possibilitou que os espectadores ávidos cantassem juntos. Entre os convidados para duetos, o destaque foi o intérprete Flávio Freire, que nos causou arrepios com a sua massa de voz bem projetada e na medida, ao cantar Cartola.

A interpretação da música Halo conhecida na voz da popstar norte-americana Beyoncé Knowles também merece destaque, pois os músicos que deram suporte ao Túlio Toledo com o violão me fizeram lembrar a excelentíssima Grace Jones, e suas majestosas performances de Walking in the rain e I’ve seen that face before. Foi de arrepiar.

O primeiro show de lançamento do Túlio Toledo deixa alguns gostinhos doces na boca, mas também amargos. Doce porque demarca a necessidade de romper com a ordem comercial no mercado radiofônico local que, há anos é dominado exclusivamente pelo que classificam sertanejo universitário. Para o lançamento do CD foi cobrado do público apenas um quilo de alimento não perecível, e esses alimentos serão doados ao Lar do Sol Nascente, que cuida de crianças abandonadas ou afastadas de suas famílias. E é doce também porque concentrou um nicho que confia na arte enquanto expressão da vida, enquanto busca e continuidade da razão humana. Talvez os radialistas locais torçam o nariz para o que Túlio Toledo tenha produzido, talvez sua plateia não tenha compreendido o significado daquele emaranhado de referências, mas isto não importa. O importante mesmo é que Túlio Toledo existe.

CD: Eu não gosto do meu nome
Cantor: Túlio Toledo
Ano: 2015
Estilo: Brasileira/Indie/Pop/Rock/

Espetáculo:
Direção Geral: André Luiz da Silva
Direção de Palco: Karol Candida e Nathane Chrisostomo
Operador de Áudio: Wesley Carvalho
Arte de Palco e Decoração: Chocolate e André Luiz da Silva Fotografia: Click Photography

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