Lançamento da Antologia Amante das Leituras
ANTOLOGIA AMANTE DAS LEITURAS
COSTA, Ana Maria; FERNANDES, Julio (Orgs.)
Prefácio
"O bando das quimeras longe assoma...
Que apoteose imensa pelos céus!
A cor já não é cor – é som e aroma!
Vem-me saudades de ter sido Deus...”.
(do poema Partida – Mário de Sá-Carneiro)
“Quando desejo
que Deus me atenda
ajoelho as palavras
no centro dos seus olhos”.
(Pensamento VII – Ana Maria Costa)
COSTA, Ana Maria; FERNANDES, Julio (Orgs.)
Temas Originais
Poesia; Contos - Literatura Estrangeira (Portugal)
2012 - 98 páginas
ISBN: 978-989-688-126-9Prefácio
"O bando das quimeras longe assoma...
Que apoteose imensa pelos céus!
A cor já não é cor – é som e aroma!
Vem-me saudades de ter sido Deus...”.
(do poema Partida – Mário de Sá-Carneiro)
“Quando desejo
que Deus me atenda
ajoelho as palavras
no centro dos seus olhos”.
(Pensamento VII – Ana Maria Costa)
Ao receber o convite para apresentar esta edição da Antologia 2012 Amante das Leituras, fui tomado por um assomo de emoção incompreensível. Julguei-me jovem demais e amedrontado o bastante diante de um desafio de tamanha grandeza. A sensação do vislumbre e da impotência perante tal responsabilidade me calou; e o silêncio se estendeu por outros dias. No entanto, subitamente, fui arrebatado por uma voz a questionar o meu sossego. É silêncio de festa! — respondi. Silêncio de êxtase e medo… — pensava.
Veio-me em seguida a impaciência e a diligência sistemática da escrita. Pensei diversas vezes como apresentaria a profusão de textos e estilos organizados aqui. Pensei também em desistir por me considerar incapaz da ação, foi quando me surgiu a ideia do que nos é comum: os sentidos, capazes de apresentar a cor sem sê-la e lhe atribuir os mais profusos aromas. Decidi-me, assim, por apresentá-los à obra a partir do seu começo. Iniciado no complexo exercício do ofício deusístico de criarmos vidas.
Contrito na sua condição de observador, o flâneur caminha em círculos pelas ruas do centro de uma cidade moderna qualquer. Entre o temor iminente de um assalto, o atropelamento por ciclistas ou qualquer dos passantes motorizados, ele recria na mente as passagens de Dante Alighieri e Miguel de Cervantes, sabedor de que esses homens que se tornaram deuses após concatenarem palavras, um dia foram comuns. O flâneur pára e recomeça o pensamento a partir dos sentidos e de seus significados. Mas o que seria a literatura para ele? Quando ela se fez ou se faz na concepção do dia dos sujeitos das contemporaneidades? Eis a questão.
Terry Eagleton, filósofo e crítico literário inglês, afirmou que literatura é qualquer coisa, e que tudo o que um dia foi literatura poderá deixar de sê-la, assim, tão simples e rápido como a mudança de percepção de quem acredita entender alguma coisa. Arrisco-me a dizer que para um leitor, o que se faz querer o torna alvo do desejo, e o seu efeito realizável é comum como o espaço do centro de qualquer rua moderna ocupado pelo apreciador de lirismos, ou seja, pelo flâneur. O diferencial para o leitor não está na palavra lida, mas nos sentidos que ela suscitará.
A rua, os excertos, o palpável e o observável circundam o universo de quem escreve. E quem escreve o faz pelo desejo ou pelo amor às palavras ou por qualquer causa inerente a elas: a prata, o poder, a fome, o senso, o sexo e até mesmo a literatura.
A literatura pode ser um espaço de interconexão, um lugar, objeto, documento; o contraponto e a síntese contextual do imaginário popular narrado, ao mesmo passo em que representa “uma violência organizada contra a fala comum” ao se apropriar dela para transformá-la, formal e materialmente, em linguagem. Uma linguagem a impor uma consciência dramática renovando as reações habituais ao tornar os objetos do cotidiano mais perceptíveis aos olhos, e que “nos leva a vivenciar a experiência de maneira mais íntima, mais intensa. Estamos quase sempre respirando sem ter consciência disso; como a linguagem, o ar é o ambiente em que vivemos”1.
Pensar a conceituação da literatura é um pressuposto introdutório e banal, embora seja adequado para pontuar o objeto constitutivo ou material representado pela obra literária.
Vejamos esta edição da Antologia 2012 Amante das Leituras, e suas edições anteriores, não como a expressão coletiva do desejo pela causa consequente da escrita, mas a exemplo do flâneur, pela expressão da inflexão da individualidade de seus autores, que imprimem nesta obra as impressões das relações sensíveis possibilitadas por suas experiências individuais e pela relação coletiva construída ao longo de seis anos pelos membros da Amante das Leituras.
Os textos aqui reunidos presentificam a materialidade das nuances que afetam nossas mentes, revelando-nos sensações a edificar saberes e aguçar percepções. Poderia então dizer, a partir de cada agrupamento e ação verbal, desordem, lirismo e significado acendidos por meio das palavras e sentidos impressos nesta coletânea de poetas, cronistas e contistas, que somos o “bando de quimeras [que] ao longe assoma”2 a fazer-se mágica apoteótica pelos céus, sentindo-se deuses ao se mirarem, de joelhos, “no centro dos seus olhos”3.
Mas ao considerar a materialidade nutrida do contexto sócio-histórico de cada um dos autores presentes nesta antologia, me questiono se Dante Alighieri e Miguel de Cervantes, tomados como clássicos, imaginaram o alcance e a relevância de suas obras no momento de sua escrita. Desse modo, penso também que cada autor publicado pelo rótulo da Amante das Leituras talvez desconheçam, na sua individualidade, o poder e o significado que compõem esse movimento literário inscrito na sua coletividade. Um movimento em favor da literatura que se inscreve na história do presente sem o rótulo nacionalista, haja vista sua amplitude continental, a contemplar, especialmente, os países lusófonos e hispanófonos — em consequência das origens de seus autores — e, consequentemente, todos que tenham acesso à virtude desse léxico globalizante.
Fez-se, finalmente, a palavra no instante em que sentimos a forma. Os sentidos sempre me chegaram antes de suas formas. E assim subverto ordens a constituir significados e compensações. Não sou único. À ideia ramificada em formato de rizomas, o percurso aleatório e associativo do encontro das letras, palavras e frases, constituíram esse livro. Parte de todos em consequência do uno. Porém, não somos únicos. A subversão a qual nos submetemos e que nos leva a materializar memórias nos transpõe no tempo, nos dando vida nova a partir de cada corpo possuído por nossos sentidos.
Vê-se o exemplo de quem ama. Fito. Rijo defronte o objeto amado, levado em consciência rumo ao seu desejo benevolente, sujeito à inconsciência. Amante. Leitor. Como já disseram, somos “eus escritores relacionais [que] se entrelaçam e desembaraçam, como vozes em um coro”4 de difusas nacionalidades.
Por fim, sigamos avante, à espreita da guarda, como confluentes cicerones.
Túlio Henrique Pereira
Vitória da Conquista, BA, dias finais do inverno de 2012.
Vitória da Conquista, BA, dias finais do inverno de 2012.
1. EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. Tradução de Waltensir Dutra, 5ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.5
2. SÁ-CARNEIRO, Mário de. Partida, in: Dispersão. Lisboa: Gutenberg EBook, [1914]/2007. p. 8
3. COSTA, Ana Maria. Pensamentos VII, in: Nascido Tarde. S. Mamede de Infesta: Edium editores, 2007, p.18
4. REGINA, Sonia. Nota introdutória, in: GOMES, Ana Maria; FERNANDES, Júlio. Antologia Poética Amante das Leituras 2009. Paço de Sousa: ADL Edições, 2009. p.7
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