Entrevista publicada no Tribuna do Vale - Itumbiara/GO
Facsimile do jornal Tribuna do Vale, Itumbiara, Goiás |
Jornal Tribuna do Vale - Túlio, para iniciar a entrevista, queremos que você se autodefina. Quem é Túlio Henrique Pereira?
Túlio Henrique Pereira - Eu confesso que você começou pela parte mais difícil, João Batista [risos]. Mas vou tentar responder começando pelo fato de não saber quem seja o Túlio Henrique Pereira, pois acredito que a definição de quem você é sempre parte da visão externa e nunca de si mesmo. Talvez eu seja um esboço. Algo inacabado e inexato. Ébrio e ao mesmo tempo sólido. Alguém que se perde no meio da multidão, aquele que passa despercebido pelas ruas para comprar pão e leite. Mas no final das contas eu sou apenas um menino sonhador nascido no interior desse Brasil, que acredita na literatura como uma expressão de arte positiva para o desenvolvimento social e cognitivo.
JTV - Agora, façamos uma volta ao passado e voltemos à Itumbiara, sua cidade berço. Conte-nos como foi a sua infância. Como surgiu o seu interesse pela literatura? Na sua casa havia um ambiente cultural que o influenciava ou você foi buscar o conhecimento fora de casa? Na escola, por exemplo?
THP - Muito boa essa sua pergunta, João Batista. Minha infância foi muito comum à infância de uma infinidade de crianças moradoras da periferia de Itumbiara, mas com o diferencial da reclusão, da introspecção. Apesar de brincar na rua, molhar os pés na enxurrada, colher fruta direto das árvores, eu era uma criança muito introspectiva. Desde pequenininho eu gostava de observar. Infelizmente, as crianças da periferia de Itumbiara não tinham muitas opções de lazer, não sei como está hoje. Mas antes, ou você passava a maior parte do tempo brincando na rua... E eram brincadeiras saudáveis como ciranda, pega-pega, queimada, enfim... Depois, no tempo da escola, estudava em um dos períodos e voltava para casa, fazia os deveres da escola e voltava para as brincadeiras de rua. Não havia complexos culturais ou projetos de arte, nem de literatura nas escolas, nem mesmo nos bairros. Meu interesse pela literatura não partiu da escola, com certeza não foi. Minha mãe amava ler. Apesar de ter cursado a segunda série do primário, foi ela a responsável direta pelo meu interesse literário. Minha mãe lia na cama pra eu dormir. Eu devia ter meus cinco, seis anos e tinha a coleção em papel supremo e capa dura de contos dos Irmãos Grimm com direito a quebra-cabeças. Quando minha mãe lia, eu viajava nas histórias, mas o mais intrigante era tentar entender como tudo aquilo estava impresso em palavras. A leitura evocava sensações inexplicáveis em mim.
JTV - Quais foram os primeiros livros que leu? Esses livros chegaram a lhe marcar de alguma forma? Influenciam até hoje?
THP - Os primeiros livros que eu li e que tenho na memória foram os livros dos Irmãos Grimm. Lembro-me do conto longo da Chapeuzinho Vermelho, a Branca de Neve e os Sete Anões, Os Sete Cabritinhos... Depois me lembro de ler os gibis do Maurício de Souza, esses eram comprados por minha mãe. Na adolescência eu me apaixonei por Dalton Trevisan. Tirando um vago momento no primário, em que a professora buscava livros aleatórios e jogava no chão para que os lêssemos, não me lembro de nenhum momento em que algum professor tenha incentivado a leitura na escola. Nos intervalos das aulas eu corria para a biblioteca, e lá eu me deliciava com os contos do Dalton Trevisan, os poemas do Ferreira Gullar e da Florbela Espanca. Eu não tinha dinheiro para comprar livros, nem minha mãe. Então eu emprestava os livros da escola ou os lia lá mesmo. Lembro-me até hoje o nome da tia Benedita, eu estudava na escola Rotary Club, e a tia Benedita sempre conversava comigo e permitia que eu ficasse por lá lendo. Ela foi uma grande amiga nessa época. Inesquecível.
JTV - A literatura entrou definitivamente na sua vida em que momento? No período do ginasial? Ou do científico?
THP - No primário eu tive algumas boas influências, como uma professora chamada Roseane. Eu estudava na Escola Estadual Adelino Lopes de Moura. Ela foi uma paixão da infância. Nessa época eu já escrevia bem, e consegui destaque no mural dos melhores textos do mês. Ela trazia alguns livros para que lêssemos. Nessa época não havia biblioteca na escola, e os poucos livros de literatura ficavam guardados na secretaria da escola. Eu tive uma diretora muito acolhedora também, só não me recordo o nome dela agora, mas ela me presenteou com um livrinho bastante lúdico e colorido na época. Fiquei tão feliz, a sensação era a mesma que se eu fosse presenteado com um prêmio milionário hoje. No ginásio eu lia na biblioteca da Escola Rotary Club com a professora Benedita. E no colegial, quando estudei na Escola Polivalente Dr. Menezes Jr., eu me lembro de ler muito os livros de História da Arte - Acho que foi ali que consegui subsídios para a carreira acadêmica. Eu não sei precisar um momento, mas no Polivalente, já no Ensino Médio, tive a honra de conhecer duas professoras maravilhosas, a professora Vera Souza e a professora Tatiane Diniz. Elas deram enfoques na literatura e permitiram que criássemos literatura e arte para os festivais que havia no colégio. Lembro-me que eu escrevia as peças e nossos espetáculos sempre ganhavam muito destaque.
Foto: Paulo Nunes/Divulgação |
THP - Os autores que me influenciaram até hoje foram muitos, sem dúvida. Posso destacar aquele que eu odiava, até o posterior momento em que pude compreendê-lo melhor. Quando descobri o que era tudo aquilo que ele escrevia foi como levar um soco na cara. O Gregório de Mattos foi o precursor na minha história. Ele influenciou diretamente a escrita da minha poesia. Depois o inesquecível Dalton Trevisan, Ferreira Gullar. Aprendi muito com Nelson Rodrigues. Eu já escrevia teatro na escola antes de conhecê-lo, depois que conheci sua escrita eu levei a escrita do teatro mais a sério. Tenho influência de Orides Fontela e de Alphonsus de Guimaraens. Confesso que sou bastante tradicional em meus gostos, e isso acaba se refletindo na maioria das coisas que escrevo.
JTV - A faculdade certamente foi o período mais rico e de maior aprendizado na sua vida. Você ingressou no terceiro grau em que ano? Optou por fazer qual curso? Como era o ambiente universitário na sua época? Você participou do movimento estudantil?
THP - Eu ingressei na universidade no ano de 2003. Foi uma felicidade imensa. Não fiz cursinho, estudei em casa mesmo. Tirei nota máxima na redação e passei na oitava colocação. Optei por fazer História na Universidade Estadual de Goiás (UEG), mas na verdade queria fazer psicologia ou arquitetura, embora meu sonho mesmo fosse cursar Literatura. No entanto, não havia esse curso aqui no Brasil. Hoje acredito que já existam três universidades que ofereçam o curso, mas ainda é um começo. Eu não participei diretamente do movimento estudantil, como eu era muito introspectivo e tímido, e ainda sou, não tinha forças para embates. Para gritar, pedir por mudanças. Meu modo de cobrar e revolucionar ainda se faz a partir da escrita. A escrita é minha arma e meu lazer. O ambiente acadêmico que presenciei foi muito profícuo, pois desde o primeiro ano já consegui realizar projetos importantes culturalmente, como o Recital Itinerante. Eu participei de inúmeros congressos da UNE, desenvolvi pesquisas importantíssimas como a descoberta do Onofre Ferreira dos Anjos, o Guigi, como uma personalidade única nas artes plásticas da cidade a contar a história de Itumbiara por meio de suas pinturas. Infelizmente poucos o valorizam e muitos desconhecem o seu valor. Eu fui o único pesquisador a entrevistá-lo em vida, e tenho esse material comigo, e parte dele foi publicado na minha monografia de graduação.
JTV - Você fez o seu mestrado e/ou doutorado fora de Itumbiara? Se sim, onde?
THP - Sim eu cursei o meu mestrado na Bahia. Sou mestre em Memória pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Minha pesquisa no mestrado é sobre as memórias da pele e suas representações na literatura brasileira do século XIX. Pesquisei muito na cidade do Salvador, nos arquivos com documentos da época da Colônia, Império até a Primeira República. Não há o curso de mestrado em Itumbiara, e acredito que pelo menos não terá até que a universidade pública se consolide na região. A Bahia me recebeu de braços abertos e lá eu consegui me estabelecer enquanto um profissional. Já o meu doutorado eu estou cursando na cidade de Uberlândia, Minas Gerais. Hoje estou cursando o doutorado em História e Cultura pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e sigo com a pesquisa em torno dos matizes da pele, e estendo minha pesquisa de Salvador até os arquivos da cidade do Rio de Janeiro. Essa foi uma das maneiras de me manter próximo da família e de Goiás, um lugar que eu amo muito, e que gostaria muito que fizesse as pazes com a educação e a cultura em sua multiplicidade e totalidade. Sem preconceito de origem, gênero, identidade, cor ou posição social. Goiás não merece o momento de opacidade pelo qual seus professores, pesquisadores e artistas têm passado.
JTV - Você chegou a trabalhar como repórter? Como foi essa experiência?
THP - Eu trabalhei como redator, repórter e fotógrafo de rua. Essas atividades compuseram o meu primeiro emprego oficial. Antes disso tive outras atividades não oficias como vender sorvete na rua, também engraxei sapato quando era menor de idade, vendi salgados, capinei, descasquei milho, trabalhei em lavouras de algodão. Já fiz tanta coisa, João. Lembro-me que nas férias da escola as crianças viajavam, e quando voltavam às aulas as professoras sempre pediam uma dissertação sobre nossas férias. Eu tremia de medo, então era a hora de viajar na imaginação pra não contar de verdade o que eu tinha feito. Nas férias da escola eu sempre ia ajudar nas despesas de casa com o trabalho na lavoura. Mas sim, vamos ao que interessa, meu primeiro trabalho oficial foi na redação do jornal Correio do Centro-Oeste, nem sei se ele ainda existe, mas foi ali, com a Anália, que eu aprendi tudo que eu sei de jornalismo. Depois fui trabalhar no jornal Folha de Notícias, uma fase de muito aprendizado também, depois trabalhei no Jornal Interativo com o José Carlos Karol - eu costumo dizer que ele foi o pai que eu não tive. Sempre muito carinhoso e acolhedor. Um ser humano muito iluminado. E também fui seu freelancer por muito tempo, João Batista. Escrevia algumas de suas matérias para o Jornal Tribuna do Vale, e você sempre me salvava nos momentos de maior necessidade financeira. Ah, e não posso me esquecer do grande aprendizado que foi trabalhar no Departamento de Comunicação (DECOM) da Prefeitura de Itumbiara com o Jota Miguel. Pessoas muito caras foram o meu sustentáculo para eu começar a ser o que sou hoje.
JTV - Você escreveu quantos livros? Onde aconteceram os lançamentos dos mesmos? O que você destaca nesses livros já lançados?
THP - Atualmente completei o número oficial de dois livros completamente meus com o lançamento de Atos de Paixão, que é o meu segundo livro depois de O Observador do Mundo Finito. Tirando esses dois livros eu tenho participações em quatro antologias portuguesas lançadas em Portugal, na companhia de autores portugueses, portenhos e angolanos. Tenho também participação em antologias publicadas na cidade de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. Em uma delas com a participação do poeta Ferreira Gullar, que eu amo muito, e noutra do poeta Affonso Romano de Sant’Ana. Essas antologias do Sul fazem parte do Congresso Internacional de Poesia de Bento Gonçalves e reúne autores iniciantes e veteranos de todo o globo. Todas as minhas publicações são de uma importância grandiosa na minha vida. Mesmo as coletâneas. São filhos que vão crescendo sozinhos e ocupando espaços nas prateleiras, e nos olhos das pessoas. Isso me deixa muito feliz. No ano de 2010 eu fui até Paris receber uma homenagem, e participar de uma jornada de estudos em torno da minha pequena produção literária. Senti-me muito privilegiado e prestigiado, considerando que professores pesquisadores de centros de excelência de algumas universidades do Brasil, Madri e França estiveram por lá, lendo e discutindo minhas publicações. Eu precisei segurar o choro, e durante a minha fala externei a satisfação que tive ao saber que, embora anônimo e vivo, pessoas que interessam leram aquilo que poderia nunca ter sido lido, ou seja, minhas obras.
JTV – Fale um pouco a respeito do novo livro. Como você define essa nova obra, estilo, gênero etc.
THP – Sim, o novo livro se chama Atos de Paixão e foi editado pela Giostri Editora, uma editora paulista com seis anos de mercado e interesse especial por dramaturgia e autores nacionais. Desta vez não se trata de poesia. Atos de Paixão é um livro de dramaturgia, que pode ser lido como se lê um romance, bem ao exemplo das publicações de Nelson Rodrigues. Trata-se de uma trama muito peculiar que fala sobre o amor dos homens e das mulheres em um universo onde ninguém é de ninguém. Quando os rótulos identitários, o nacionalismo e as transformações sociais no universo do Brasil começam a se estabelecer. Eu peço que os interessados fiquem antenados nas novidades sobre o livro que aparecerão no meu blog: http://tulioh.blogspot.com e no site da Giostri Editora: giostrieditora.com.br. Esse livro tem lançamentos previstos para São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás também está na lista.
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