História poética de dias ordinários

A leitura de O Observador do Mundo Finito deixa aquela sensação de engasgo. Somente depois de ter chegado ao fim de seus versos é que nossa respiração retoma o fôlego, um respirar remarcado pela ansiedade, angústia, talvez a dúvida nas horas do instante de uma vida. Múltiplas percepções, enfim. Sentimentos e atitudes se entrelaçam nessa escrita, o que faz com que questionemos: quem fala nesses poemas? Ora, a resposta poderia ser: Túlio Henrique Pereira. Mas reducionista, se considerarmos essa escrita de si como uma obra ensimesmada.

A cada página observamos um trajeto individual guiado pelas dobras da história do nosso dia-a-dia, muitas vezes, terno e erótico, bio-químico e bio-político, espaços fincados em lugares que recitam a ausência, solos metafísicos que se materializam nas várias costuras do raciocínio tortuoso de um olhar para fora de si. O Observador do Mundo Finito, assim, parte do exterior de nós mesmos, passando pelas veias de dentro das mãos e da cor dos olhos de um poeta que se mescla à presença do outro que nele deixa as suas marcas.

Nesse livro encontraremos um conjunto de poemas, à primeira vista, irregular. Sintamos, então, como Túlio Henrique, não o sol que aquece, mas o que queima a pele. E daí, usando um percurso raciocinado, identificaremos um fio regular que vai escorregando por todas as páginas. As imagens que saem de seus poemas vão construindo um filme que nos coloca como ator principal de cada poema, as velhas pequenas histórias que nos lançam ao passado de uma tia, ao nosso cabelo, àquele toque que nos virou no avesso, à revolução interna das feridas, ao grito de independência incessante e diminutamente inalcansável. De tanto pular fronteiras, na dispersão de espaços outros, o livro começa quando termina. Quando o fechamos, vemos de novo seu título, O Observador do Mundo Finito, referência não explicita em nenhum dos versos, mas neles presente pela ausência.

Ora, ao invés de entrarmos em contato com o infinito, aquela viagem sem fim dos poemas, uma volta ao


mundo espontaneamente dividido em palavras, a linguagem perdida dos anjos, um estilo arrojado de temática marcante, encontramos o comum. Uma pequena história poética de dias ordinários. Isso sim assusta e surpreende. Essa regularidade de mostrar o que estamos sendo no mundo desdobra-se nos sulcos que falam de nossa finitude, sem ser julgada, que não se quer transformada ou capitulada. Um livro de poemas que fala da poeira, das cinzas, do velho e que, por isso, ao falar do que tem fim, mostra a impaciência de viver e faz surgir o novo, recriando os já tão repetidos ditos em tantas vidas e obras. Dobras do futuro próximo.

Ao estabelecer os limites do homem, o observador que é Túlio Henrique, olha também com nossos olhos o nascimento de idéias e lugares, que imperiosamente constroem um saber sobre essa vida tão simples da qual se adivinha um por vir impossível. Do interior desses poemas, ela, a vida, parece supor e instalar em cada momento uma atualidade, permitindo que se prescreva suas formas nos modos de vivê-la por meio de nossos corpos, nossos desejos e pela maneira de ser da linguagem. Esses imensos detalhes talvez nos façam pensar que é preciso viver o tempo de outra maneira.

Certamente, um trabalho que impõe o rasgo e a interrupção ao centro do nosso presente, colocando a
questão tanto de nossa identidade quanto de nosso tempo. Uma cartografia de migalhas de vida e linguagem, que mapeiam a história dos instantes, que se acorrentam à fina cadeia dos pensamentos meio a nossa existência em forma de livro, O Observador do Mundo Finito, com nome de autor, Túlio Henrique Pereira, o qual permite generosamente falar nossas próprias vozes e recontar nossas histórias de poesias diárias.


Nilton Milanez
Doutor em Lingüística pela UNESP/Sorbonne
Vitória da Conquista, Bahia, 22 de setembro de 2007


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