Mundo mágico das letras

Matéria originalmente publicada no jornal Diário da Manhã no caderno DM Revista em 07 de março de 2008. 

O primeiro contato com a literatura para Túlio Henrique Pereira, 26, foi aos 4 anos de idade, quando a mãe, Francisca Alves Pereira “empregada doméstica”, comprava livros infantis para ler à noite para ele. Desde criança, Túlio Henrique sentia necessidade de criar um “universo mágico”, onde pudesse inventar e contar os acontecimentos à sua maneira. O sonho cresceu e virou realidade. A idéia é concretizada no livro O Observador do Mundo Finito, que será lançado amanhã pela Scortecci Editora. A venda do livro estará disponível pelos sites da Livraria Asabeça (www.asabeca.com.br) e Livraria da Lua (www.livrariadalua.com.br). A obra é composta por poemas que retratam a realidade de “homens infames”, ou como define o autor, o transeunte perdido na movimentação das ruas modernas, que precisa se esconder da chuva, simples mortal atravessando as ruas. O Observador do Mundo Finito é composto de 68 poemas urbanos, distribuídos em 92 páginas que mostram um olhar de um espectador sobre tudo o que é externo ao seu ser, sobre todos os acontecimentos que provocam indignação. “São as pessoas de carne e osso como eu que vulgarmente são tratadas como massa. Procuro valorizá-las em minha literatura. Não há heróis em minha obra”, explica. Para esse trabalho, Túlio Henrique realizou a construção literária baseada nas poesias que escreveu ao longo da vida. As experiências derivam desde a convivência familiar, da realidade que tem sobre o comportamento humano até os questionamentos sobre a realidade em que está inserido. Mesmo tendo sido educado apenas pela mãe, que estudou até a 4ª série primária, a influência para leitura foi presente em sua vida. “Apesar de ela não ter concluído os estudos, sempre me incentivou a estudar para ser alguém na vida”, ressalta. Além dos clássicos da literatura infantil universal, como O Gato de Botas, João e Maria, Soldadinho de Chumbo, O Patinho Feio, Túlio, ao contrário da maioria, que lê primeiramente autores brasileiros, começou sua viagem literária por escritores estrangeiros. “Minha mãe tinha em casa alguns exemplares de Agatha Christie e Sidney Sheldon, mas estes não me atraíam muito, apenas folheava as páginas”, relembra.

INSPIRAÇÃO 

Considerado uma criança tímida e de poucos amigos, desde a infância, Túlio Henrique, que nasceu em Itumbiara, sempre se refugiou nos livros. Na escola, na hora do recreio, ao invés de brincar no pátio com os demais colegas, ele preferia ir para a biblioteca ler, manter contato mais intimista com o mundo das letras. Foi a partir da 5ª série que experimentou o trabalho dos grandes escritores da Língua Portuguesa: Luís de Camões, Fernando Pessoa, José de Alencar, Machado de Assis, e um dos seus maiores inspiradores, Dalton Trevisan. Por falar em inspiração, ao ler o poema Moraliza o poeta nos ocidentes do Sol a inconstância dos bens do mundo, do poeta barroco Gregório de Matos, popularmente conhecido como “O Boca do Inferno”, foi quando lhe brotou a vontade de escrever poesia. Aos 15 anos de idade, Túlio Henrique constatou que a escrita vai além de meras palavras, e que “reunidas de forma ordenadas” provocam revoluções, mudanças nos sentimentos. “Nesse poema, a dor e o sofrimento do autor transpõem o sentido das palavras e adquirem forma ao traduzir o sentimento que eu sentia na época e ainda sinto. É essa inquietude que me leva a escrever e a questionar.” Para o escritor Túlio Henrique Pereira, a maior revolução que a literatura causou em sua vida foi a de ajudá-lo a construir um mundo paralelo onde pudesse existir, identificar-se e “acima de tudo me reconhecer como membro ativo dentro da sociedade que me pertence”. Segundo o escritor, esta explicação justifica-se pelo fato de ele ser negro e de família humilde. “Ainda estou em processo de construção de minha identidade como afrodescendente”, diz. Válvula de escape escolhida, Túlio Henrique, dos 15 aos 18 anos, na fase escolar, produz peças de teatro, contos e romances. 

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TRAJETÓRIA ACADÊMICA E INFLUÊNCIA FILOSÓFICA 

Animado com suas produções, o jovem escritor Túlio Henrique Pereira, 26, monta em sua cidade natal a companhia de teatro Idealizadores da Arte, onde tem a oportunidade de aprender a produzir e dirigir. Contudo, devido à pouca experiência e maturidade, a companhia não vai muito além de um sonho efêmero. Dura apenas poucos meses. Apesar do tempo escasso, mas de grande efervescência cultural, Túlio Henrique escreve duas peças que considera imprescindíveis para seu amadurecimento como escritor: Atos da Paixão, comédia que satiriza a sociedade gaúcha da década de 1920 por copiarem o “jeito afrancesado de ser”, na época considerados modos afeminados; e o drama Tremor da Carne, que faz alusão às angústias e à dualidade entre materialidade e espiritualidade do período medieval trazida para o mundo contemporâneo, retratando pessoas comuns com habilidades especiais, sufocadas em suas angústias e anseios de uma vida melhor e hedonista. Empolgado com sua produtividade, Túlio Henrique resolveu participar, em 2005, do concurso goiano “Arte Criatividade”, promovido pelo Serviço Social da Indústria (Sesi), com o conto Mundo Azul Cor de Fel, história que narra a percepção do mundo observada pelos olhos de um autista. “Uma pessoa que é excluída em sua própria família e também da sociedade”, explica o criador. Vencedor em sua categoria, o escritor recebeu como premiação a publicação do conto na 5ª Antologia Poética, organizada também pelo Sesi. Pela primeira vez, ele tem um trabalho publicado.
MÃE 

O mundo das palavras sempre esteve presente na vida de Túlio Henrique. A começar pela forte influência da mãe e também na busca pelo primeiro emprego, que foi no jornal quinzenal Correio do Centro-Oeste. O jovem repórter também trabalhou nos periódicos Folhas de Notícias e Diário da Manhã, em Itumbiara. Preparando-se para o vestibular, o estudante teve contato com pensadores como Renée Descartes, Michel Foucault, Nietzsche e Freud. Já na Universidade Estadual de Goiás (UEG), onde graduou-se em História, ele começou a amadurecer suas novas vertentes literárias. “Esses filósofos me fizeram ver o quanto minha poesia era imatura, que não acrescentava em nada. Joguei boa parte delas no lixo e outras reescrevi”, recorda. Na faculdade, Túlio Henrique intensificou seu gosto pela pesquisa e como trabalho de conclusão de curso apresentou uma monografia que resgatava a memória do artista plástico goiano Onofre Ferreira dos Anjos, conhecido como “Guigui”. Ao longo de sua vida artística, retratou por várias vezes nas telas a cidade de Itumbiara. Como reconhecimento à sua pesquisa monográfica e à importância do trabalho de Guigui, a capa da lista telefônica de Itumbiara vem com ilustrações da pintura do artista plástico. Entretanto, a maior incentivadora de seus estudos, Francisca Alves Pereira, não esteve ao seu lado quando resolveu cursar História e seguir a carreira literária. Segundo ele, a mãe sempre sonhou com um futuro estável para o filho e acredita que ser escritor no Brasil não traz garantia de vida tranqüila. “Minha mãe tinha medo que eu não desse certo na vida, preferia que fizesse um curso técnico”, conta. Atualmente Túlio Henrique mora na cidade baiana de Vitória da Conquista e se prepara para ingressar no mestrado. O foco de estudo para trabalhar sua tese é Pele e sensibilidades em bom-crioulo: das práticas de memória sobre o negro na literatura à legitimação identitária na contemporaneidade, que visa buscar uma identidade negra, a partir do livro Bom-crioulo, de Adolfo Caminha. ”Não é uma visão caucasiana, mas sim uma análise de quem conhece as múltiplas identidades negras existentes em nosso País. Na maioria das vezes, opacizadas pelos discursos antropológicos, históricos, sociológicos e literários em voga”, esclarece. Túlio Henrique lança, ainda no mês de abril, o livro O Observador do Mundo Finito nas cidades goianas de Itumbiara, Catalão e Goiatuba. Este ano, o jovem escritor participa da 20ª edição da Bienal Internacional do Livro em São Paulo, que acontece no período de 14 a 24 de agosto de 2008, na capital paulista. 

Fonte: Diário da Manhã

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