Entrevista publicada no Jornal Interativo - Itumbiara/GO



Jornal Interativo - Túlio Henrique, como surgiu em sua vida o interesse pela literatura?
Túlio Henrique Pereira - Eu me lembro que a literatura apareceu na minha vida quando eu tinha pouca idade, não sei ao certo, mas desde criança a leitura me fascina. Minha mãe lia na cama pra eu dormir. Eu devia ter meus cinco, seis anos e tinha a coleção em papel supremo e capa dura de contos dos Irmãos Grimm com direito a quebra-cabeças. Quando minha mãe lia, eu viajava nas histórias, mas o mais intrigante era tentar entender como tudo aquilo estava impresso em palavras. A leitura evocava sensações inexplicáveis em mim. Até hoje não sei explicar como são... Talvez por isso eu produza um pouquinho de poesia, pra tentar explicar essas sensações de forma dispersa e fragmentada ao longo de vários poemas. 

JI - Você teve algum incentivo de sua família? O que mais te motiva a escrever?
THP - Nunca tive incentivo da família. Até hoje sou o único membro da minha família a ter graduação e o único a ter mestrado. Um retrato triste de muitas famílias negras e pobres do Brasil. Meus irmãos e primos conseguiram terminar o ensino médio. Algo que antes de mim não tinha sido superado por meus tios, primos, nem pais... Minha mãe tinha medo do meu desejo em ser escritor. Essa palavra pra mim tinha um peso tão grande e uma vaidade maior ainda. Mas pra ela isso soava como negativo, ela dizia que era algo que não me daria dinheiro, nem reconhecimento, e muito menos prestígio. Ela temia que isso me deixasse menos homem e dizia que só depois da morte para começarem a descobrir e a valorizar o que eu tivesse feito... Isso se tivesse qualidade. Acho que ela estava certa em muitos aspectos, mas eu já sabia sobre alguns deles, embora quisesse me enganar, mas o certo é que não continuo escrevendo pra ganhar rios de dinheiro ou fazer fama. Senão já teria tentado fazer um Best-seller ou qualquer curso que me ensinasse a produzir um. O que me motiva a escrever é o fato de eu refletir sobre a vida e senti-la de algum modo. É o desejo de expressar o pensamento, as angústias, as dúvidas, os saberes e o constructo entre mim e o outro. É uma vaidade imoral, isso me motiva a escrever... Somado a muitas outras coisas atravessadas.

JI - E o seu estilo, como você o classifica? Gosta de qual (is) estilo (s)?
THP - Então, boa pergunta, mas é também uma pergunta difícil. Eu, particularmente, não sei dizer se tenho um estilo. Nem sei se me enquadro em algo que será reconhecido como sólido ou relevante. Como escrevo prosa e verso, deixo o fluxo de consciência falar mais alto. Na poesia gosto de filosofar e contar histórias, nos contos prefiro penetrar no universo psicológico das personagens e deixar que a ação transcorra sem pontuá-las no tempo e no espaço. Embora tenha uma atração muito forte pelo rodrigueanismo, acabo pecando por excessos e zelos no uso da prosa poética. Mas sempre em torno daquela catarse rodrigueana. No teatro eu preservo o intimismo eloquente e mítico... E em muitas ocasiões misturo e inverto isso nesses gêneros todos. E eu adoro contextualizar um argumento genérico, adoro fazer isso.

Foto: Paulo Nunes/Divulgação

JI - Ficamos sabendo que ultimamente o senhor esteve fora do Brasil divulgado seu trabalho, é um fato? Como foi esta experiência?
THP - Pois bem, quisera eu sair apenas para divulgar meu trabalho. Mas acho que essa é uma realidade que nem os vendedores de livro como Paulo Coelho, Augusto Cury e os demais vivenciam. Na verdade eu fui até Paris receber uma homenagem, e participar de uma jornada de estudos em torno da minha pequena produção literária. Senti-me muito privilegiado e prestigiado, considerando que professores pesquisadores de centros de excelência de algumas universidades do Brasil, Madri e França estiveram por lá, lendo e discutindo minhas publicações. Eu precisei segurar o choro, e durante a minha fala externei a satisfação que tive ao saber que, embora anônimo e vivo, pessoas que interessam leram aquilo que poderia nunca ter sido lido.

JI - Pode citar aqui quais os títulos que o senhor publicou que mais lhe deram bons frutos e que se sentiu mais realizado?
THP - Sem dúvida todas as publicações que tive me renderam bons frutos. Sem dúvida O observador do mundo finito é o pioneiro, é o meu livro autoral, primogênito, que foi gerado da forma que eu gostaria que fosse. Surgiu um convite de alguém que eu não conhecia, e essa boa alma cuidou de tudo para que este livro nascesse e ele nasceu. Lindamente. Até pouco tempo foi o meu único trabalho sem participações, e o responsável pela projeção que tenho, ainda que pequena no cenário da literatura. Os títulos lançados em coletividade com outros autores em Portugal são importantíssimos também, as antologias Amante das Leituras de 2008, 2009, 2010 e agora de 2012 reforçam parcerias e projetam meus textos para fora do Brasil, no cenário da literatura independente de Portugal. Não tenho contrato com editora, não pago para publicar livro, embora contribua com as antologias comprando alguns exemplares. E já é o terceiro ano em que participo das antologias oficiais do Congresso Nacional de Poesia de Bento Gonçalves no Rio Grande do Sul. As antologias Poesia do Brasil Vol. 9, 10, 11 e 13 contam com poemas meus, e acho isso muito relevante para quem escreve de modo tão artesanal como eu.

JI - Para o senhor o Brasil reconhece grandes artistas na área cultural, em especial a literatura?
THP - Infelizmente o Brasil é um país que não desenvolveu o hábito da leitura em sua população. Claro que se trata de um problema educacional e sócio-histórico. Não digo que livros não são vendidos no país, mas considero que existe aqui um grande público consumidor de livros, e não muitos leitores de literatura. Vende-se o produto livro com textos em linguagem referencial [quase informativa, didática, mastigada], mas não se vende algo que auxilie no processo cognitivo, que desperte no outro a capacidade de refletir sobre si e seu universo sociocultural, a complexidade do pensamento não formulou um mercado de forma popular. Então, posso dizer, com grande margem de equívoco, que no Brasil o mercado editorial não quer se arriscar com abstrações. Prefere vender aquilo que se aproxime do funcional, a exemplo de um exemplar de autoajuda, ou um livro qualquer que esteja na moda. Mas isso não é culpa exclusiva do mercado editorial nem do povo brasileiro. Muitos costumam alegar que livros são muito caros, e costumam dar exemplos do valor do livro comercializado nos países europeus. Eu costumo dizer que livros na Europa são tão caros como no Brasil. Os livros que são baratos lá estão fora de catálogo, nos sebos. E sebos existem também no Brasil. Já comprei livros a R$ 3,00 em sebos no Brasil, como no site da Estante Virtual. Uma grande parcela dos brasileiros não tem o hábito da leitura porque não a desenvolveu. Ao invés de lermos assistimos televisão ou procuramos companhia para cerveja, cigarro e futebol. Não podemos nos esquecer que somos uma nação recente, com pouco mais de 500 anos. Passamos por processos muito complexos para nos constituirmos nação brasileira: lidamos nesses cinco séculos com muito analfabetismo provocado pelo escravagismo, fome, secas, marginalizações, exportação... O Brasil se configura, em sua maioria, por uma sociedade que foi mão-de-obra. Educação e cultura não foram objetivos desta colônia portuguesa. O objetivo aqui era apenas explorar a terra, e mais tarde formar mestres de ofício para o trabalho braçal, essa foi a função das escolas até a década de 1970. Parafraseando Antônio Candido, nós saímos de uma cultura oral para uma cultural do áudio-visual. Não temos uma cultura que não seja a do nosso colonizador. Portanto, até o hábito da leitura que, por ventura adquirirmos, não será nosso, mas sim de quem nos colonizou. Só para fechar o raciocínio: não pagamos R$ 40 reais em um livro, mas pagamos na entrada da boite, no engradado de cerveja, na garrafa de vodca, na churrascaria, no prostíbulo, no bingo, na partida de futebol etc... Precisamos estar atentos ao que nos é valoroso e por quê o valorizamos algo em detrimento de qualquer outra coisa.

Foto: Paulo Nunes/Divulgação
JI - Como foi para o senhor sair do interior de Goiás para brilhar no mundo? Isto o ajudou a conquistar o seu espaço?
THP - Muito obrigado pelo engrandecimento. Mas não considero que eu tenha brilhado no mundo, embora reconheça que o fato de ser jovem, ter a origem que tenho e não ter nenhum título lançado por uma grande editora, mas, ao mesmo tempo ter sido lido em algumas regiões de Portugal, França, Espanha, Argentina, México, Grécia e outros países, possa dar margem para pensar nessa possibilidade. Sim, consegui transpor o espaço territorial da minha rua, bairro, cidade, estado e país. O que não configura sucesso, até porque as leituras nesses países foram pontuadas, considerando que os títulos não foram lançados em muitos deles. Fico muito feliz em saber que alguém em algum desses lugares leu e guarda um de meus exemplares. Mas eu tenho muito desejo em conquistar leitores nessas regiões, incluindo Angola, e sim, essas notícias de pequenos êxitos isolados, ajuda internamente. Até porque o Brasil é um país com consciência de colonizado, só valoriza o que vem de fora.

JI - Como está sendo morar na Bahia? Ajuda em seu trabalho, lhe traz mais inspiração para escrever?
THP - Morar na Bahia foi um divisor de águas. Vitória da Conquista é uma cidade com muitos problemas, igual a maioria das cidades no Brasil, mas é uma cidade que resguarda espaços de práticas culturais. Tem uma população jovem ativa, que quer ter opção de lazer cultural e não fica esperando dos governantes, eles fazem. Aqui pude lançar meu trabalho, comercializá-lo e distribuí-lo. Muitos me reconhecem no supermercado e vêm até mim me cumprimentar demonstrando respeito. Algo que em Goiás é um pouco distante, considerando que o prestígio cultural nunca foi a prioridade da minha região, nem denota valores.

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