Entrevista para G1 Piauí
Em 2 de fevereiro de 2023, fui contatado pela jornalista Ilana Serena, repórter do G1 Piauí, portal da Rede Clube, afiliada da TV Globo, para conceder uma entrevista acerca do colorismo. A motivação para a realização da reportagem estava relacionada ao fato de o deputado estadual Franzé Silva ter sido o primeiro homem negro a assumir a presidência da Assembleia Legislativa do Piauí. Todavia, o deputado sofreu críticas por seus pronunciamentos, especialmente porque muitos discordavam de sua autodeclaração como homem negro de pele clara. A proposta da entrevista, então, foi promover o debate sobre identidade negra, sobre o que é o colorismo e o processo de embranquecimento. Dois anos depois, segue a entrevista, abaixo, na íntegra e, ao final, o link de acesso à reportagem publicada no portal G1 Piauí.
![]() |
| Print G1 Piauí |
G1 PI: Sabemos que pessoas negras de pele mais clara tendem a ter pequenas vantagens quando comparadas às pessoas negras de pele mais escura. Embora não estejam blindadas de racismo. Na sua concepção, o que o colorismo diz sobre as relações raciais brasileiras?
THP: Ainda não há uma sistematização que conceitue de forma profunda o colorismo e, enquanto historiador e não antropólogo, posso considerá-lo um fenômeno social experimentado na esfera das relações da população negra — preta e parda — em suas interações de inclusão e exclusão no mundo do trabalho, dos afetos, da escolarização e nos relacionamentos interpessoais. O colorismo é o modo como a população parda reivindica o seu direito à autodeclaração, apropriando-se de sua potência afro-ancestral, que, por conseguinte, apaga ou desestabiliza, em certa medida, a potência do sujeito preto retinto.
Ambos sofrem discriminação no trabalho, tanto os pretos quanto os pardos, porque constituem a parcela dos não brancos; todavia, o preto retinto sofre mais com o desamparo interpessoal nas relações afetivas, por exemplo. Ambos serão alvo do encarceramento massivo, porém o preto retinto não deixa brecha para a desconfiança quanto à sua inocência. Ele também terá mais dificuldades para ascender na carreira, receber o melhor salário ou participar da festa da empresa no condomínio fechado.
O colorismo, enquanto fenômeno social, é uma querela — o residual das relações coloniais em seu processo eugênico — e denuncia a constante fuga para o caminho do embranquecimento, bem como a manutenção do apagamento do preto retinto.
G1 PI: Nessa perspectiva, a presença de pessoas negras de pele clara em espaços de poder pode fortalecer o preconceito e a dificuldade de acesso da comunidade negra como um todo? Como combater isso?
THP: Sim. É assim que se estabelece o fenômeno do colorismo. O colorismo, enquanto residual das políticas eugênicas em favor do embranquecimento, volta-se ao seu objetivo inicial, que é aniquilar a negritude e toda a sua potencialidade. Desse modo, para encorpar o discurso racial do negro, elege-se o pardo, porque este é menos afetado pela negritude, mesmo sendo fruto dela. Todavia, não podemos personalizar essas disputas nem atribuir às pessoas pardas o fardo de sua clareza ou do seu embranquecimento. É preciso reiterar que a responsabilidade continua sendo do colonialismo protagonizado pelos brancos. Esse fenômeno é apenas mais uma teia do racismo sistêmico.
G1 PI: E como formar uma identidade racial? Diria que a negritude vai além da cor da pele, e pode se apresentar também em traços e na herança cultural? Na sua concepção, qual a importância da autodeclaração racial?
THP: Cheikh Anta Diop é um dos pensadores precursores do panafricanismo. Desde a década de 1970 já se discute o fato de que a identidade racial não pode ser definida apenas pela cor da pele. O conceito biológico de raça não é uma criação africana, assim como o conceito de cor também não foi. Foram os ocidentais e os povos da Península Arábica que denominaram os etíopes com nomes que, tempos mais tarde, descobrimos serem negativos por aglutinarem valores depreciativos. Há discussões muito profundas na antropologia e na sociologia acerca dos marcadores raciais, e estas incluem aspectos étnico-culturais.
No entanto, costumo ser um pouco mais objetivo, mesmo sabendo que objetividade não existe. Defendo, por enquanto, um conjunto fenotípico para demarcar identidades raciais, e esse conjunto inclui cor da pele, textura dos cabelos, formato do nariz, desenho dos olhos, pelos corporais, enfim, muitos fatores. A autodeclaração é também resultado de uma disputa política travada pelo Movimento Negro espalhado pelo mundo, especialmente nas Américas.
Enquanto instrumento jurídico, a autodeclaração foi sancionada internacionalmente pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1989, e não prevê aspectos de assimilação, mas o reconhecimento da autoidentificação de si. Esse instrumento passou a ser útil para políticas indigenistas e afrodiaspóricas em todo o globo.
***
Essa entrevista foi utilizada para a construção da matéria: Primeiro negro a presidir a Assembleia Legislatia do Piauí, Franzé Silva critica questionamentos: ‘que engulam seu racismo’ – Disponível em: https://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2023/02/04/primeiro-negro-a-presidir-a-assembleia-legislativa-do-piaui-franze-silva-critica-questionamentos-que-engulam-seu-racismo.ghtml
THP: Ainda não há uma sistematização que conceitue de forma profunda o colorismo e, enquanto historiador e não antropólogo, posso considerá-lo um fenômeno social experimentado na esfera das relações da população negra — preta e parda — em suas interações de inclusão e exclusão no mundo do trabalho, dos afetos, da escolarização e nos relacionamentos interpessoais. O colorismo é o modo como a população parda reivindica o seu direito à autodeclaração, apropriando-se de sua potência afro-ancestral, que, por conseguinte, apaga ou desestabiliza, em certa medida, a potência do sujeito preto retinto.
Ambos sofrem discriminação no trabalho, tanto os pretos quanto os pardos, porque constituem a parcela dos não brancos; todavia, o preto retinto sofre mais com o desamparo interpessoal nas relações afetivas, por exemplo. Ambos serão alvo do encarceramento massivo, porém o preto retinto não deixa brecha para a desconfiança quanto à sua inocência. Ele também terá mais dificuldades para ascender na carreira, receber o melhor salário ou participar da festa da empresa no condomínio fechado.
O colorismo, enquanto fenômeno social, é uma querela — o residual das relações coloniais em seu processo eugênico — e denuncia a constante fuga para o caminho do embranquecimento, bem como a manutenção do apagamento do preto retinto.
G1 PI: Nessa perspectiva, a presença de pessoas negras de pele clara em espaços de poder pode fortalecer o preconceito e a dificuldade de acesso da comunidade negra como um todo? Como combater isso?
THP: Sim. É assim que se estabelece o fenômeno do colorismo. O colorismo, enquanto residual das políticas eugênicas em favor do embranquecimento, volta-se ao seu objetivo inicial, que é aniquilar a negritude e toda a sua potencialidade. Desse modo, para encorpar o discurso racial do negro, elege-se o pardo, porque este é menos afetado pela negritude, mesmo sendo fruto dela. Todavia, não podemos personalizar essas disputas nem atribuir às pessoas pardas o fardo de sua clareza ou do seu embranquecimento. É preciso reiterar que a responsabilidade continua sendo do colonialismo protagonizado pelos brancos. Esse fenômeno é apenas mais uma teia do racismo sistêmico.
G1 PI: E como formar uma identidade racial? Diria que a negritude vai além da cor da pele, e pode se apresentar também em traços e na herança cultural? Na sua concepção, qual a importância da autodeclaração racial?
THP: Cheikh Anta Diop é um dos pensadores precursores do panafricanismo. Desde a década de 1970 já se discute o fato de que a identidade racial não pode ser definida apenas pela cor da pele. O conceito biológico de raça não é uma criação africana, assim como o conceito de cor também não foi. Foram os ocidentais e os povos da Península Arábica que denominaram os etíopes com nomes que, tempos mais tarde, descobrimos serem negativos por aglutinarem valores depreciativos. Há discussões muito profundas na antropologia e na sociologia acerca dos marcadores raciais, e estas incluem aspectos étnico-culturais.
No entanto, costumo ser um pouco mais objetivo, mesmo sabendo que objetividade não existe. Defendo, por enquanto, um conjunto fenotípico para demarcar identidades raciais, e esse conjunto inclui cor da pele, textura dos cabelos, formato do nariz, desenho dos olhos, pelos corporais, enfim, muitos fatores. A autodeclaração é também resultado de uma disputa política travada pelo Movimento Negro espalhado pelo mundo, especialmente nas Américas.
Enquanto instrumento jurídico, a autodeclaração foi sancionada internacionalmente pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1989, e não prevê aspectos de assimilação, mas o reconhecimento da autoidentificação de si. Esse instrumento passou a ser útil para políticas indigenistas e afrodiaspóricas em todo o globo.
***
Essa entrevista foi utilizada para a construção da matéria: Primeiro negro a presidir a Assembleia Legislatia do Piauí, Franzé Silva critica questionamentos: ‘que engulam seu racismo’ – Disponível em: https://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2023/02/04/primeiro-negro-a-presidir-a-assembleia-legislativa-do-piaui-franze-silva-critica-questionamentos-que-engulam-seu-racismo.ghtml

Comentários