Entrevista concedida à Beatriz de Las Heras Herrero
Beatriz de Las Heras - ¿Por qué empleas el cuento como marco de construcción de alguna de las historias que escribes?
Túlio Henrique Pereira - Não sei se compreendi bem a pergunta. Mas vou tentar respondê-la mesmo assim, tentando abordar as duas possibilidades. A primeira, porque utilizo o conto para abordar histórias? E segunda, porque utilizar a estrutura do conto para construir quadros de histórias, enfim... O conto tem uma estrutura mais objetiva do modo de escrita. Sou muito influenciado pela leitura que fiz das obras de Nelson Rodrigues, e me lembro que a cada conto ou crônica eu sofria de um êxtase, ele contava uma vida toda em poucas palavras, isso me fascina. O fato de no conto você não explicar tudo é outra técnica ou estilo que favorece a leitura dessas histórias, pois o leitor pode completar as lacunas com o seu imaginário. Acredito que o conto permite ao leitor uma interação que o romance muitas vezes não permite, e que a poesia às vezes impossibilita, porque requer um entendimento mais elaborado. A estrutura do conto permite que uma história comece sem o seu início e termine sem que haja um fim. É como pensar no sujeito que sai de manhã de sua casa para ir ao trabalho e ao longo do seu dia acontece algo inesperado. Esta minha escrita tem a intuição sensível de ser rodriguiana, embora me permita inserir elementos textuais que fogem da objetividade da escrita do Nelson Rodrigues. Tenho a intenção de povoar os acontecimentos com as palavras que não são faladas, mas que têm a sua graça e o seu espaço nesse mundo do cotidiano moderno.
Beatriz de Las Heras - ¿Qué influencia tiene en tu cuento la figura y obra de la poetisa ORIDES FONTELA?
THP: Não creio que tenha uma influência direta, mas creio que todos os textos que li ao longo da minha vida influenciaram na escrita dos meus contos, poesias, romances e teatro. A escrita de Orides Fontela me fascina, é uma poetisa filósofa. Ela rompe com a ideia da arte pela arte, da poesia por ela mesma. Ela propõe o debate a partir da poesia, conta uma história em sua poesia. O Brasil ainda não descobriu as construções de Orides Fontela, o que é lamentável, mas creio que ela é a Avant-garde de nossa geração. Seus poemas, que considero estudos do interior humano, são praticamente inéditos dos leitores. Em O Outro Lado da Via, especialmente... Eu já havia escrito o conto, e este conto fala de afetuosidades, idealizações, vislumbre... E quando o editava para enviá-lo à editora, relendo-o me lembrei que a Orides Fontela tinha uma opinião singular sobre essas temáticas, ela fala de lucidez ao se referir ao amor, então eu pensei, é isso. O amor é lúcido, somos conscientes de nossos vislumbres, do que idealizamos ou do que escolhemos para seguir, embora isso nos fira. Mas, será que não queremos sentir essa dor? Vi que havia ligação entre a concepção dela com o que eu havia exprimido nos personagens deste conto, então decidi homenageá-la com uma epígrafe. De modo que, se alguém quiser entender melhor o sentimento do conto pode ter a possibilidade de esclarecê-lo na obra da Orides, ou também um modo de efetivar uma continuidade da leitura do conto.
Beatriz de Las Heras - Cómo definiría el autor O Outro Lado da Via
THP: O autor de O Outro Lado da Via é também uma personagem. Posso dizer que ele existe em meio a multidão, e também posso dizer que ele não existe em lugar nenhum porque ele observa. Quem observa, de certo modo, deixa de existir, é mais ou menos como fala o poema Descarte no livro O Observador do Mundo Finito, “desapareço quando penso/quando não penso inexisto” (PEREIRA, 2008, p. 27). O autor neste caso é aquele que deixa de viver para viver a vida alheia, aquele que goza com a folha amarelada caindo da copa da árvore. Observar detalhes demanda tempo, absorvê-los e depois exprimi-los leva quase que uma eternidade. É por isso que escrevo pouco e publico menos ainda. Quero ser fiel ao que existe, mesmo que só exista no campo das ideias.
Beatriz de Las Heras - ¿Qué es la vida para Túlio, el escritor?
THP: A vida é uma construção. O escritor Túlio Henrique Pereira tem várias concepções para definir a vida. Ela pode ser uma maluquice do humano, pode ser a perdição deste também. Mas não a perdição no sentido de suas práticas, mas sim da ideia de vida que elegemos; sua sistematização, seus códigos, leis, símbolos... É tudo tão sistematizado e tão fechado em si, que não sobra muito espaço para a vida de fato. Porque depois que o corpo desfalece, para nós ocidentais a vida deixa de existir, mas para o escritor que aqui reflete ela continua. E continua a partir da virtualidade que ela já existia.
Beatriz de Las Heras - ¿Que relación hay entre el teatro y la manera de escribir?
THP: Engraçado essa pergunta, porque antes de escrever qualquer coisa pensando na materialidade do livro, eu escrevia textos para interpretá-los. Sou fascinado por cinema e música. Mas antes de visualizar a atuação do ator em cena e o resultado da direção, ou a interpretação de quem canta, eu visualizo o texto. É o texto que estabelece o elo entre o desempenho, seja da música, da dramaticidade das personagens com as sensibilidades do expectador, ouvinte, leitor. Sou atraído pela possibilidade sensível que a palavra me possibilita. No texto quero imprimir essas sensações, por isso a escolha de algumas palavras que estão em desuso, quando escrevo deixo fluir o fluxo, deixo que as palavras se aproximem, e quero que elas se encaixem harmoniosamente na leitura de quem lê, mas quero que elas dramatizem e tenham significado no contexto. O texto para mim é dramaticidade, é filosofia, racionalidade, prazer.
Beatriz de Las Heras - ¿Te consideras una persona tímida? Tú mirada sobre las cosas que escribes parece ser la de una persona que mira con atención lo que le rodea sin intervenir demasiado, como en segunda línea. Observando con detenimiento cada detalle.
THP: Eu sou muito tímido. Muito mesmo, aprendi a lidar com minha timidez ao longo da minha inserção nos espaços que não me pertenciam. O meu universo eram os livros, o cinema, a música e tudo isso dentro de um quartinho pequeno, mas que paralelamente se constituía no maior universo já pensado por mim. No conto quero uma verossimilhança, quero aquilo que foi visto ou pensando, com a mesma lógica do tempo que foi visto ou que foi pensado. A ação no conto é lenta, até parece inexistir, mas existe porque representa exatamente aquilo, o cotidiano, que de tão óbvio, muita gente não valoriza mais. Eu gostaria muito de sentar em um banco de uma praça pública e ficar olhando o comportamento das pessoas, mas ficar olhando fixamente, absorvendo aquilo, e ir mais além, tentar entender o que elas pensam, e o porquê de agirem daquele modo. Fascina-me o comportamento alheio. Não me conformo com as terminologias que se encerram em si, tais como o ladrão, prostituta, mendigo, gordo, michê etc,. Eu quero saber o que faz um sujeito roubar, se prostituir, mendigar, engordar... Quero saber o que atravessa suas práticas, seus caminhos, e como esses sujeitos se vêem e enxergam seus antagonistas. Com que paixões e afetos eles lidam e se deixam construir. Nada é óbvio demais pra mim, eu quero possuir essas complexidades em sua essência. Ou ao menos tentar me aproximar delas. Gosto de olhar o comportamento dos rapazes jovens no meu país. Está acontecendo um fenômeno, que não sei se é apenas no Brasil, mas é uma loucura, os rapazes de 14, 16 anos, que na minha geração eram crianças, se parecem com a representação de Hércules feita pelos gregos. Estão com os corpos muito docilizados, estão tomando anabolizantes ou se acabando na academia para alcançarem uma normatividade, que nem sei se eles entendem do que se trata. Então para mim eles deixam de existir em função da existência de um personagem, e meus personagens vão a fundo nessa ideia da existência e da normatização. É essa psicologia da vida que me fascina. Mas encerrando, infelizmente não posso observar os sujeitos de modo tão fixadamente, então construo práticas de observação, nas quais acredito que não percebam que os observo, mas os observo do momento que me contemplam.
Beatriz de Las Heras - Hay algo de sensitivo en tu cuento, de obsesión por marcar las sensaciones (ya sean táctiles, olfativas, visuales, …) con palabras, como si el lector pudiera sentir lo que sienten tus personajes. ¿Qué hay de cierto en esto?
THP: Antes de escrever eu sou leitor. E sou leitor do que escrevo, principalmente. O ato da observação me transporta para o observado, ou seja, me coloco no lugar daquilo que observo. Sinto aquilo que observo e quero que as palavras remetam a ideia do que quero mostrar. O conto tem que ser catártico, e quem vai promover essa catarse é a palavra e sua estrutura na frase. Quando as palavras não são escolhidas adequadamente o sentido se perde e o texto vira superficialidade. As palavras existem em multiplicidade exatamente porque conduzem a sentidos múltiplos, se nos resumirmos a repeti-las de modo referencial, como se faz no texto informativo, deixa de ser arte, deixa de fazer sentir e passa a apenas noticiar. O livro é mais que um produto de informação, ele é um produto artístico nutrido de sensações, energias, vidas e as palavras são a síntese de tudo isso. Desse modo elas precisam ser funcionais no sentido de manter a magia da literatura, precisam cumprir sua função de abstração, de misticismo, de generosidade para com aqueles que lhes decodifica no ato da leitura. Trabalhei por dez anos da minha vida na redação de jornais relevantes no meu Estado e sei bem o que configura um texto referencial, não quero que este estilo de texto prevaleça na minha literatura, mesmo que isso me custe o anonimato.
Beatriz de Las Heras - ¿Qué hay de Túlio en el cuento “O Outro Lado da Via”?
THP: Há o experienciado. Sentires e saberes que me atravessaram ao longo da vida até aqui. Vislumbres. Por exemplo, quando remeto o leitor até os sentidos olfativos da esfiha recheada com creme de leite e milho. Essa passagem no conto foi inspirada em uma cena da minha vida, quando era uma criança muito pobre que andava de pés descalços com outras crianças pela rua, e me lembro que havia uma quitandeira no meu bairro que morava perto de uma praça. Sou fascinado pelos espaços das praças públicas. A quitandeira morava na esquina, de frente para a praça, e quando brincávamos na praça sentíamos o cheiro de seus quitutes, e corríamos todos para a casa dela e ficávamos admirando a beleza dos salgadinhos, mas apenas olhávamos com os olhos e lambíamos com a testa, pois éramos todos muito pobres e não tínhamos moedas para comprá-los. O sabor das esfihas eu nunca experimentei, mas consegui imaginar como seria se os tivesse colocado na boca, ou sentido a textura daquela massa macia na pontinha dos dedos. Muitos dos contos e, especialmente neste, aparecem de mim as idealizações daquilo que não vivi, mas que imaginei. Ou daquilo que presenciei na rua, no passeio pela praça, nas férias na fazenda observando os lagos, os riachos... No mais, o Rio dos Bois existe e está localizado em Goiás, próximo à Itumbiara, a cidade onde nasci. É um rio muito lindo e caudaloso... Quando o observava, ainda na infância, desejava muito que as vidas dos outros pudessem se encontrar às suas margens.
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