Manhã de segunda

Naquela manhã de segunda-feira, Olívio ainda se mantinha debruçado sobre a cama, era pouco mais de onze horas. No rádio tocava Romance Del Diablo com os instrumentais de Astor Piazolla. Naquele instante o sol já não atravessava a vidraça, e a pele descoberta de Olívio estava tingida de luz com tanta latitude que ele nem parecia ter a tez escura. Deixou que os olhos caminhassem por sobre o contorno dos braços longos a procurar entre os poucos pelos, os sinais azuláceos das veias finas a irrigarem todo o seu membro.

Olívio se perdeu na ideia que tinha sobre viver uma rotina atravessada por espaços e calçamentos, vias largas, dias quentes, queixumes e quereres. Ele queria mesmo era desnudar-se de dúvidas e seguir o fluxo de pessoas a caminhar na direção do nada. Ele tinha obsessão pela morte; talvez não necessariamente pela ideia da morte, mas pelas vazões a saturar os sentidos que a morte não povoa nas inquietações do humano. Aprendemos a temer a morte. Mas, e se ela fosse tão bela quanto os acordes virtuosos daquela peça a tocar harmoniosa os seus ouvidos?

Estático a remoer o intenso cerzir da mente. Olívio parecia um corpo desfalecido sem o sopro da alma. Sem possuir as identidades que o clivava. A correria do tempo a apurar lentamente os refrãos, o amor romântico que há tanto tempo já não fazia sentido em seus dias. Nem mesmo a vontade de gozar com o outro o possuía mais. Era como se tudo estivesse estanque, e ele dopado por desvenlafaxina.

O telefone tocou até cessar. Na terceira sequência de chamadas, Olívio se levantou aturdido com o rosto sisudo, e percebeu no reflexo do espelho que a marca de expressão que possuía entre o nariz e a testa estava mais firme, ele a esticou com os dedos. O telefone tocou novamente por alguns minutos até Olívio decidir atendê-lo. Ele disse alô em doce calma, seguido de um bom dia em notas graves.

Olívio havia se esquecido da reunião matinal desta segunda-feira. De repente, de forma abrupta, ele acelerou os movimentos ao desligar o aparelho, seguiu rapidamente com a escovação dos dentes, o banho, a barba. Olívio era um homem do seu tempo. Ele estava vivo a abraçar a sua condição humana, e já não havia mais o tempo do pensar.

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